ARTIGO| I Congresso da Paz e a classe operária brasileira

No quarto artigo da série especial produzida pelo Cedem/Unesp, a historiadora Renata Cotrim destaca a realização do I Congresso da Paz, iniciativa da Confederação Operária Brasileira em 1915, fundamentada no caráter antimilitarista e internacionalista dos ativistas que compunham esta organização da classe operária brasileira.

 

I Congresso da Paz e a classe operária brasileira

Renata Cotrim – historiadora

As questões acerca do antimilitarismo estiveram presentes nos espaços de sociabilidade e divulgação de ideias dos trabalhadores brasileiros. Nos primeiros anos de século XX, a imprensa operária era o principal instrumento de formação e conscientização. Nesse sentido, os jornais operários publicaram inúmeros textos a respeito da Lei do Sorteio Militar – legislação que definia a obrigatoriedade do serviço militar por meio de sorteios – e incentivaram a resistência popular contra a norma. Não demorou para que diferentes setores sociais, entre eles a burguesia nacional, classificasse essa resistência como “falta de patriotismo”.

A Primeira Grande Guerra havia começado há quase um ano e milhões de pessoas já haviam morrido nas trincheiras. Ficava cada vez mais claro que se tratava de uma guerra imperialista, na qual as vítimas eram, sobretudo, a população civil e largos extratos do proletariado.

Assim, a Confederação Operária Brasileira (COB), ancorada no caráter antimilitarista e internacionalista de seus membros, convocou o I Congresso da Paz, realizado nos dias 14, 15 e 16 de outubro de 1915, na cidade do Rio de Janeiro. No mesmo ano, no início de setembro, partidos socialistas e representantes da social democracia europeia reuniram-se numa pequena vila suíça. Este evento ficou conhecido como a Conferência de Zimmerwald e se constituiu na primeira tentativa de unir aqueles que se opunham à Guerra. Na ocasião, foi lançado um manifesto contra o conflito, assinado por Lênin (bolchevique), Axelrod (menchevique) e Bobrov (socialista revolucionário de esquerda).

O I Congresso da Paz, realizado no Brasil, foi uma iniciativa que merece destaque por ter sido convocada pelas bases operárias reunidas em torno da COB e não por estruturas partidárias, como foi o caso da Conferência de Zimmerwald. O evento propôs discutir “os meios mais eficazes para fazer terminar a guerra europeia”, ou seja, o proletariado brasileiro reconhecia que sua única luta legítima era contra o capital, pois, terminada a carnificina não haveria vencidos e nem vencedores (MARQUES, 2015) e a classe trabalhadora continuaria sendo “os mesmo escravos do salário”. (Circular do Congresso Internacional da Paz, 29/07/1915, p.2).

 

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A convocatória para o Congresso no Brasil foi uma resposta à proibição do Congresso da Paz em Ferrol, naquele mesmo ano. Ao convocar “socialistas, sindicalistas, anarquistas e organizações operarias de todo o mundo”, o evento evidenciava a força do internacionalismo operário de então. A comissão organizadora, composta pelos militantes Astrojildo Pereira e Antonio Vieytes, levou a cabo intensa propaganda na imprensa operária para obter o maior número de adesões possíveis. Mesmo com grandes dificuldades, a convocatória para o Congresso no Brasil chegou à Europa e a outros países da América. Diversas organizações de trabalhadores ao redor do mundo responderam ao apelo da COB, enviando cartas de apoio e, em alguns casos, auxílio financeiro para a realização do evento. Cabe destacar algumas das adesões ao Congresso da Paz: Partido Socialista (Argentina), Federação Obrera Reginal Argentina (F.O.R.A), Agrupacion Infantil Anarquista, Agrupacion Anarquista ‘A prepararde’ (ambas de Buenos Aires), União Anarquista da Região do Sul (Lisboa), União das Juventudes Sindicalistas de Portugal, Grupo Educacion Anarquista (Barcelona), Grupo ‘Los hijos de Acracia’ (Morón, Espanha), ‘A Luz’ (folha portuguesa racionalista de New Bedford, Mass, U.S.A)[1].

Por alguns dias, o Rio de Janeiro tornou-se o centro do movimento operário organizado mundial.


[1] Relatório da Comissão Organizadora, 14/10/1915, p.1-2

 

Referência bibliográfica

MARQUES, João Carlos. Guerra a Guerra: os movimentos anarquistas na Grande Guerra. Revista Tempo, Espaço e Linguagem v.6 n.2 P. 157-171. Irati (PR)/Ponta Grossa (PR) jul./dez. 2015.

Correspondências – I Congresso da Paz. Asociación Internacional de los Trabajadores, Ferrol. ASMOB, fundo Astrojildo Pereira.

Pela Paz! Aos trabalhadores e ao povo em jeral do Brasil. COB, Rio de Janeiro, 30 de abril de 1915. ASMOB, fundo Astrojildo Pereira.

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