Frente à estarrecedora notícia de que o Grupo de Trabalho Perus seria extinto, depois desmentida pelo governo federal, o Comitê Paulista por Memória, Verdade e Justiça (CPMVJ) vem a público expressar as seguintes considerações:
1. O Grupo de Trabalho Perus foi criado em 2014, quando a Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República e a Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos (CEMDP) firmaram convênio com a Prefeitura de São Paulo, Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados. O convênio tinha por objetivo a análise dos restos mortais encontrados em 4 de setembro de 1990 na vala clandestina do Cemitério Dom Bosco, em Perus;

2. Desde 1975/76, familiares de opositores da Ditadura Militar assassinados pelos órgãos de repressão já sabiam da possibilidade de seus entes queridos estarem ali sepultados, sem identificação. Os restos mortais da vala de Perus foram encaminhados para análise na Unicamp em 1990. Contudo, houve apenas duas identificações, de Frederico Eduardo Mayr e Dênis Casemiro, e após uma década o material se encontrava em estado de abandono. Em 2001, as ossadas foram transferidas para o Instituto Médico Legal (IML), que em 2005, com auxílio de um laboratório particular, identificou Flávio Carvalho Molina;
3. Interdisciplinar, composto por peritos formados em universidades nacionais e profissionais dos IMLs e da Polícia Federal, além de integrantes das equipes peruana e argentina de Antropologia Forense, o GT Perus realizou um trabalho exaustivo, que permitiu a limpeza de todos os restos mortais, armazenados em 1.047 caixas, e a análise minuciosa de cada indivíduo, uma vez que na vala havia corpos de mais de 1.500 pessoas, muitas delas pobres e marginalizadas, ocultados pelo Estado;
4. O GT Perus tem como meta identificar os restos mortais de 41 desaparecidos políticos, que se acredita estivessem na vala. Até o momento, foram identificados Dimas Antonio Casemiro e Aluizio Palhano Pedreira Ferreira. Todas as 1.047 caixas foram limpas, 957 delas passaram por análise (91,4%), 550 tiveram amostras de DNA enviadas a laboratório no exterior e mais 200 terão amostras enviadas até agosto de 2019;
5. Por tais razões, a eventual extinção do GT Perus seria inadmissível, afrontosa, criminosa até, porque implicaria sabotar um esforço histórico de familiares, ex-presos políticos, ativistas de direitos humanos, jornalistas, bem como de peritos engajados nos trabalhos de identificação, quando restam por analisar apenas 90 caixas;
6. Apesar do desmentido do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos (https://www.mdh.gov.br/todas-as-noticias/2019/abril/nota-sobre-a-continuidade-do-grupo-de-trabalho-perus), sabe-se que o atual governo vem adotando medidas destinadas a desmantelar, descaracterizar ou obstruir programas e organismos oficiais dedicados à reparação dos crimes da Ditadura Militar (1964-1985), tais como a Comissão de Anistia e a Equipe de Identificação de Mortos e Desaparecidos Políticos (EIMDP) da CEMDP;
7. Busca o governo negar a própria existência do regime ditatorial e as atrocidades cometidas: sequestros, torturas, execuções, ocultamento de corpos (como ocorrido em Perus), além de festejar o golpe militar de 1964. Tais iniciativas governamentais são inaceitáveis, repulsivas e merecem absoluto repúdio;

Michel Filho / Agência O Globo (29/01/2015)
8. Note-se ainda que o Decreto 9.759/2019 (http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2019/decreto/D9759.htm), por meio do qual o governo federal extinguiu “em massa” um sem-número de colegiados da administração pública federal, entre eles a EIMDP, é um ato irresponsável, de legalidade duvidosa, que permite toda sorte de interpretações;
9. O GT Perus avançou bastante nos seus trabalhos, que dependem agora em grande medida da análise laboratorial, no exterior, de amostras de DNA colhidas nos restos mortais examinados. Neste momento, é límpida obrigação legal e judicial tanto do governo federal como da Prefeitura de São Paulo, que responde pelo Cemitério de Perus, onde foram enterrados os corpos em questão, garantir apoio financeiro aos trabalhos de identificação para que cheguem a bom termo;
10. Qualquer ato oficial que acarrete a asfixia financeira do projeto é inaceitável. Como assinalou a Corte Interamericana de Direitos Humanos no caso Gomes Lund e Outros (Guerrilha do Araguaia), em 24 de novembro de 2010: “O Estado deve realizar todos os esforços para determinar o paradeiro das vítimas desaparecidas e, se for o caso, identificar e entregar os restos mortais a seus familiares” (http://www.corteidh.or.cr/docs/casos/articulos/seriec_219_por.pdf).
11. Como se depreende do teor da própria nota emitida pelo ministério responsável, extinguir o GT Perus seria incorrer em crime de responsabilidade. Estaremos atentos para denunciar e tomar as medidas judiciais cabíveis, caso essa hipótese se materialize.
São Paulo, 24/4/2019