As comemorações do 1º de Maio de 1968 são um marco na luta da classe operária brasileira contra o Golpe de 1964, que instaurou uma ditadura civil-militar no país. Em meio à repressão, sindicatos e organizações políticas clandestinas enfrentaram o regime, expulsando o então Governador de São Paulo, Abreu Sodré do ato e tomando o palanque instalado na Praça da Sé. Aquele 1º de Maio, na avaliação das organizações revolucionárias, não poderia ser uma festa da ditadura.
O caráter do golpe de 1964 é muito claro: trata-se de um golpe de classe; um golpe da burguesia contra a classe trabalhadora. Tão logo se instalou o regime ditatorial, as lideranças sindicais e operárias foram presas, perseguidas e forçadas a se exilarem. Os sindicatos sofreram intervenção e toda e qualquer manifestação da classe trabalhadora era fortemente reprimida. Esses eram os instrumentos necessários para se aplicar uma dura política de arrocho salarial.
No final de 1967, passados os anos iniciais do baque causado pela repressão, o movimento operário consegue se articular na luta contra a política de desvalorização dos salários, criando o MIA: Movimento Intersindical Antiarrocho. Com composição bastante plural e diversa, o MIA decide pela realização de um ato de 1º de Maio, como não acontecia desde 1964. É na condução deste ato que as divergências internas ao MIA começam a transparecer. Uma parte majoritária do Movimento considerava importante a presença de autoridades ligadas ao governo durante a celebração, como forma de evitar a repressão das forças de segurança. Outros setores, mais radicalizados, entendiam que uma verdadeira manifestação do dia dos trabalhadores não poderia contar com a participação daqueles que impunham à classe operária uma política de hostilidade. A posição majoritária prevaleceu e o então governador do Estado de São Paulo, Abreu Sodré, foi convidado a discursar no palanque armado na Praça da Sé, em frente à Catedral.
Os setores mais radicalizados do movimento operário, sobretudo o Sindicato dos Metalúrgicos de Osasco, liderado pelos jovens sindicalistas José Ibrahim e José Campos Barreto, conhecido como Zequinha, associados às organizações políticas clandestinas que travaram a resistência à ditadura, não acataram a decisão do MIA e organizaram uma ofensiva para tomar de volta para os trabalhadores o protagonismo do 1º de Maio.
Assim que o governador Abreu Sodré subiu ao palanque para iniciar o seu discurso, acompanhado de outras autoridades, um grito retumbante ecoou pela Praça da Sé: Cortem o fio do auto-falante! O governador aqui não fala!
Colocou-se em prática uma verdadeira operação de guerra: fios cortados e uma chuva de paus e pedras caíram sobre as autoridades no palanque. Abreu Sodré e sua comitiva, feridos e absolutamente aterrorizados se refugiaram no interior da Catedral. As lideranças sindicais tomaram o palanque e ali se sucedeu uma série de discursos inflamados e radicalizados contra o regime civil-militar e a sua política de arrocho. Um sistema de autodefesa dos trabalhadores estava a postos para enfrentar as forças de segurança e viabilizar rotas de fuga para as lideranças. No entanto, a polícia vacilou. Sem a repressão, o ato pôde continuar com os discursos inflamados e a distribuição de jornais e panfletos de diversos sindicatos e organizações políticas.
Entre esses jornais distribuídos dois merecem especial destaque. A Ação Popular, grupo de origem católica, havia passado por um processo de reestruturação e, assumindo posições mais radicalizadas e se aproximando do marxismo-leninismo, optavam pela luta armada contra a ditadura. O anúncio foi feito por meio do jornal Libertação, distribuído aos trabalhadores presentes na Praça da Sé naquele 1º de Maio. Outro grupo de grande importância também divulgava à classe operária a adoção de novas estratégias contra o regime civil-militar. O Agrupamento Comunista de São Paulo, até então ligado ao PCB, sob liderança de Carlos Marighella e Câmara Ferreira transformava-se em Ação Libertadora Nacional. O jornal O Guerrilheiro, distribuído também neste dia, foi o porta-voz desta organização que assumiu o protagonismo na luta armada contra a ditadura.
A ação organizada pelos setores radicalizados do movimento sindical e pelas organizações políticas clandestinas deu muita força ao movimento operário que ganhava um novo fôlego para travar a luta contra a repressão. Esta força se traduziu meses depois nas greves de Osasco que, extremamente radicalizadas, sofreram com a repressão implacável do governo.
Anos mais tarde, em 1972, a Tendência Leninista da ALN desenvolve a primeira grande avaliação destas manifestações que mostraram a força da classe operária naquele momento. A análise está presente no jornal Unidade e Luta e faz um balanço dos avanços e retrocessos do movimento operário e das organizações que lutavam contra a ditadura.

Os jornais Libertação e O Guerrilheiro, distribuídos naquele 1º de Maio da Praça da Sé, pertencem ao acervo do Centro de Estudos Mário Pedrosa – CEMAP. O jornal Unidade e Luta pertence ao acervo do Archivio Storico Del Movimento Operaio Brasiliano – ASMOB, de propriedade do IAP. Estes documentos estão sob custódia do Centro de Documentação e Memória – CEDEM, da Unesp e estão disponíveis para consulta pública.